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Acesso em 06/12/2024 às 10h16.

Elementos Químicos – Flúor

Elementos Químicos – Flúor

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Essencial aos organismos, mas em pequenas quantidades
por Catarina Sandor de Castro Costa Moraes*

 

Mineral fluorita. Foto: Wikimedia Commons

O flúor, 13º elemento de maior disponibilidade na natureza, pertence à família dos halogênios (do grego “formador de sal”), como cloro, bromo e iodo. É o elemento mais reativo e eletronegativo, formando compostos com todos os elementos da tabela periódica, exceto argônio, neônio e hélio [1]. O flúor é um elemento essencial aos organismos vivos, mas em pequenas quantidades. Na crosta terrestre, o elemento está presente como íon fluoreto (F-), combinado a íons metálicos como o íon de cálcio (Ca2+). Essa combinação é observada no mineral fluorita (CaF2), uma das principais fontes para produção de fluoretos inorgânicos e compostos moleculares de flúor, como o fluoreto de hidrogênio (HF) e o gás flúor (F2). A aplicação desses dois compostos está relacionada com suas altas reatividades e, por isso, devem ser estocados em recipientes adequados e manipulados com máxima segurança [2].

Flúor em estado líquido. Imagem: Chemie-master.de/ Wikipedia

Em 1529, Georgius Agricola demonstrou a aplicação da fluorita como fundente, ou seja, um composto que diminui o ponto de fusão de outros materiais [3]. A fluorita tem seu nome derivado do latim fluere, porque se funde com facilidade. Em 1771, o farmacêutico Carl Wilhelm Scheele descobriu o elemento de fato e o nomeou como flúor, uma vez que se originou da fluorita. Entretanto, apenas em 1886 o químico Henri Moissan conseguiu isolar o flúor (F2) em laboratório por meio da eletrólise do HF líquido na presença de um sal de fluoreto (KHF2) [4]. Por esse trabalho, Moissan recebeu o Prêmio Nobel de Química em 1906.

A concentração do elemento flúor na crosta terrestre é de apenas 0,065% em massa, mas pode ser encontrado espalhado na biosfera. Alguns compostos de flúor estão presentes no ar, oriundos de poeira de solo rico em partículas de minerais de flúor, de atividades vulcânicas que liberam principalmente vapor de HF, de produtos oriundos de indústrias produtoras de fertilizantes, alumínio, vidro e cerâmica, e de plantas e animais [5]. As maiores quantidades de flúor estão presentes na fluorita (CaF2) e na criolita (Na3AIF6) [3].

O mineral CaF2 é usualmente encontrado na forma de cristais transparentes a translúcidos, e ocorre em veios hidrotermais juntamente com minérios de chumbo, zinco e estanho [6]. Além da aplicação na produção de compostos de flúor, a fluorita é usada em menor escala como fundente na fabricação do aço e de ligas de ferro, e na produção de vidros opacos e esmaltes [7]. Segundo a Agência Nacional de Mineração, as principais fontes de fluorita se encontram na África do Sul, México e China. No Brasil, as reservas lavráveis de fluorita são encontradas quase somente no Paraná e em Santa Catarina [7]. A criolita é um mineral maciço, de coloração branca, cujo único depósito importante está na Groenlândia. A maior quantidade de criolita em uso atualmente é de origem sintética, obtida a partir da fluorita e aplicada como fundente na metalurgia do alumínio (clique aqui para ler o artigo sobre o alumínio).

O fluoreto de hidrogênio (HF) tem ponto de ebulição de 20 oC e, de acordo com a temperatura ambiente, poderá estar na forma de vapor incolor ou de um líquido volátil [8]. A maioria dos compostos que contêm o elemento flúor são obtidos a partir do HF. Sua produção industrial decorre da reação entre a fluorita sólida e o ácido sulfúrico concentrado, como mostrado na equação abaixo, mas o HF também pode ser obtido como subproduto do processo de extração do fósforo do mineral fluorapatita (clique aqui para ler o artigo sobre o fósforo).[9]



O HF participa da produção de compostos fluorados de interesse da ciência dos materiais, das indústrias farmacêuticas, de agroquímicos e da medicina. Produtos de limpeza, como detergentes e decapantes, analgésicos e herbicidas são alguns itens cuja produção depende do fluoreto de hidrogênio. Também está presente em armas químicas, como gás lacrimogêneo e gás sarin (a produção do sarin está proibida por acordo internacional) [2]. Aproximadamente 25% dos fármacos comercializados possuem flúor em suas estruturas, como o antidepressivo fluoxetina, o antibiótico ciprofloxacino, o antilipêmico (redutor dos níveis de colesterol) atorvastatina e o anticancerígeno sunitinib [10].

O HF gasoso também é amplamente empregado na indústria petroquímica como na alquilação de moléculas usadas na produção de gasolinas de alta octanagem e na produção de polímeros como o politetrafluoretileno (PTFE, fórmula descrita abaixo), material plástico quimicamente inerte, que possui alta estabilidade térmica, característica de isolante elétrico e baixo coeficiente de fricção e, por isso, antiaderente [8]. O PTFE mais conhecido é o da marca comercial Teflon®. A alta estabilidade dos compostos organofluorados é devida à elevada força da ligação química C-F.

 

 

Outra aplicação constatada para o HF foi a sua utilização, principalmente entre as décadas de 1940 e 1970, na produção de um conjunto de gases de refrigeração, mais comumente conhecidos como Freon, à base de clorofluorcarbonetos (CFCs) A partir dos anos 1970, estudos mostraram que a emissão de CFCs na atmosfera era uma das grandes responsáveis pelo aumento do buraco na camada de ozônio. Assim, seu uso foi descontinuado à medida que outros gases de refrigeração, não agressivos à camada de ozônio, foram sendo produzidos [4].

O HF se solubiliza em água e se comporta como um ácido fraco, diferentemente dos ácidos dos outros halogênios. O HF dissolvido em água, ou seja, uma solução de ácido fluorídrico, é muito corrosivo, podendo reagir com o vidro, metais, concreto e matéria orgânica [11]. Assim, o ácido fluorídrico é extremamente tóxico por inalação, por contato com a pele e por ingestão [12]. Seu armazenamento deve ser realizado exclusivamente em recipientes de material polimérico, como PTFE ou polietileno, já que ataca o vidro [12]. A reação do ácido fluorídrico com o vidro tem sido bastante usada no mercado de decoração de interiores, como vidro acidato: tratamento dado ao vidro frio com banho de ácido fluorídrico, deixando-o com opacidade semelhante ao vidro jateado. [11].

 O gás flúor (F2) é um agente extremamente oxidante, altamente corrosivo na presença de umidade, de cor amarelo pálido e, assim como o fluoreto de hidrogênio, possui odor penetrante. O método mais viável para a produção do F2 continua sendo a eletrólise, na qual o sal fluoreto de potássio (KF) é dissolvido em HF no estado líquido [2,7]. O F2 é usado como matéria-prima na produção de hexafluoreto de urânio (UF6), empregado na indústria nuclear, hexafluoreto de enxofre (SF6), usado como gás isolante no setor de energia elétrica, trifluoreto de cloro (ClF3), empregado na produção de fluorocarbonetos, e trifluoreto de cobalto (CoF3), aplicado na produção de fluorocarbonos, entre outros compostos [2,7].

O hexafluoreto de urânio constitui uma das substâncias químicas de maior importância nas diversas etapas do ciclo do combustível nuclear, por possuir excepcionais características de estabilidade térmica e volatilidade, quando comparado a outros compostos de urânio. Portanto, é possível a fabricação de um combustível nuclear de alta qualidade, por meio da operação adequada do processo de enriquecimento de urânio e do manuseio seguro do urânio reprocessado [14].

Embora compostos orgânicos contendo o elemento flúor sejam normalmente obtidos industrialmente, algumas bactérias e plantas tropicais e subtropicais são capazes de sintetizá-los. Tais compostos são raros se comparados ao número de biomoléculas contendo outros halogênios. Compostos organofluorados de origem biológica geralmente possuem apenas um átomo de flúor e são tóxicos (por exemplo, fluoroacetato e 4-fluorotreonina). Acredita-se que sejam produzidos para defesa própria. A origem biológica de compostos fluorinados abre a possibilidade de uso de enzimas fluorinase para a produção biotecnológica de organofluorados de interesse comercial e de compostos marcados com o isótopo artificial 18F (flúor-18) para uso em Tomografia por Emissão de Pósitrons (PET – do inglês “positron emission tomography”) [15]. A PET é uma técnica usada em medicina nuclear, principalmente na aquisição de imagens para monitoramento de tumores cancerígenos e, também, das funções cardíacas e neurológicas [16].

Foto: Pixabay

A presença do elemento flúor na água merece destaque, pois, apesar de estar dissolvido em lagos, poços, rios e oceanos, ele é adicionado à água nas estações de tratamento ou poços de captação – na forma de fluoreto de sódio (NaF), ácido fluossilícico (H2[SiF6]) ou hexafluossilicato de sódio (Na2SiF6) – como uma etapa do processo de tratamento de água para prevenção de cárie [3]. Estudos sugerem que o fluoretoprevine a cárie porque inibe a atividade de bactérias bucais produtoras de ácidos orgânicos, que dissolvem o esmalte dos dentes (constituído de hidroxiapatita – Ca5(PO4)3OH). Além dessa ação, o fluoreto substitui o íon hidroxila da hidroxiapatita formando fluorapatita (Ca5(PO4)3F), reduzindo a desmineralização do esmalte/dentina por ser o último um composto menos solúvel [6, 17]. Nos cremes dentais fluoretados são usados os compostos fluoreto de sódio (NaF) ou monofluorfosfato de sódio (Na2PO3F) [3].

A etapa de fluoretação da água deve seguir os critérios de adição de flúor estabelecidos pela legislação [3], para que a concentração final esteja dentro dos padrões de potabilidade. A ingestão de maiores concentrações, acima do limite legal, e por longos períodos pode causar fluorose dentária e óssea, isto é, acúmulo de fluoreto nos ossos, que provoca o aumento da densidade óssea, calcificação dos tendões e ligamentos, e deformidades ósseas [17].

Conheça mais sobre o elemento no vídeo produzido pela Universidade de Nottingham e traduzido pelo Químico Luis Brudna, professor da Universidade Federal do Pampa:

 

Referências

1. Royal Society of Chemistry. Disponível em: https://www.rsc.org/periodic-table/video/9/Fluorine?videoid=vtWp45Eewtw. Acesso em: 16 de outubro de 2021.

2. J. Emsley, Nature’s Building Blocks: An A-Z Guide to the Elements, Oxford University Press, 2011.

3. Guia de recomendação para uso de fluoretos no brasil. Ministério da Saúde, 2009. Disponível em: http://189.28.128.100/dab/docs/portaldab/publicacoes/guia_fluoretos.pdf. Acesso em: 15 de julho de 2021.

4. Medicina química: flúor. Grupo Medicina Nuclear. Disponível em: https://grupomnd.com.br/noticia/medicinaquimica-fluor-f/. Acesso em: 15 de julho de 2021.

5. https://cetesb.sp.gov.br/solo/biomonitoramento/fluoretos-gasosos/. Acesso em: 14 de novembro de 2021.

6. Royal society of chemistry. Disponível em: https://www.rsc.org/periodic-table/element/9/fluorine. Acesso em: 07 de novembro de 2021.

7. Agência Nacional de Mineração. Sumário Mineral. Coordenação Geral: M. M. D. Costa, K. A. Medeiros, T. M. Lima. Brasília: ANM, 2019, 201 p.; https://www.gov.br/anm/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/serie-estatisticas-e-economia-mineral/sumario-mineral. Acesso em: 01 de novembro de 2021.

8. M. Weller, T. Overton, J. Rourke, Inorganic Chemistry, 7ª ed. Oxford University Press, 2018.

9. Ácido fluorídrico e suas mais diversas aplicações. Usiquímica, 2021. Disponível em: https://usiquimica.com.br/blog/acido-fluoridrico-e-suas-mais-diversas-aplicacoes. Acesso em: 16 de outubro de 2021.

10. J. Wang et al., Fluorine in Pharmaceutical Industry: Fluorine-Containing Drugs Introduced to the Market in the Last Decade (2001-2011), Chem. Rev. 114 (2014) 2432-2506.

11. Agência Nacional de Mineração. Sumário Mineral 2017 – VOL 37. Disponível em: https://www.gov.br/anm/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/serie-estatisticas-e-economia-mineral/sumario-mineral/sumariomineral_2017. Acesso em: 07 de novembro de 2021.

12. FISPQ – Ficha de informações de segurança de produto químico – ácido fluorídrico. RESIMAPI Produtos químicos indústria e comércio. Disponível em: https://www.resimapi.com.br/fispq/acido-fluoridrico-50-55.pdf. Acesso em: 07 de novembro de 2021.

13. Archglass – Vidro Acidato: o que é, como é feito e características. Disponível em: https://archglassbrasil.com.br/artigos/vidro-acidato/. Acesso em: 07 de novembro de 2021.

14. E. F. Araújo, Purificação de hexafluoreto de urânio. Dissertação de Mestrado, Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares. São Paulo, 101 p., 1986.

15. D. O’Hagan, H. Deng, Enzymatic Fluorination and Biotechnological Developments of the Fluorinase, Chem. Rev. 115 (2015) 634-649.

16. C. C. Robilotta, A tomografia por emissão de pósitrons: uma nova modalidade na medicina nuclear brasileira. Rev. Panam. Salud Publica 20 (2006) 134-42.

17. Flúor e fluoretos. Cetesb, 2013. Disponível em: https://cetesb.sp.gov.br/laboratorios/wp-content/uploads/sites/24/2013/11/Fl%C3%BAor-e-fluoretos.pdf. Acesso em: 16 de julho de 2021.

 

ATENÇÃO! Os experimentos com substâncias químicas mostrados nos vídeos aqui incluídos só devem ser reproduzidos na presença de um profissional ou professor de química, e em ambiente controlado. Não tente reproduzir esses experimentos por conta própria.

 

*A autora é Engenheira Química, consultora em tratamento de água industrial e integrante da Comissão de Divulgação do CRQ-IV.
Publicado em 09/03/2022

 

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