Leite: como manter a qualidade e reduzir as fraudes
Leite: como manter a qualidade e reduzir as fraudes
Pesquisas científicas são uma das formas de combater problema das fraudes7 de fevereiro de 2025, às 8h55 - Tempo de leitura aproximado: 6 minutos
As fraudes no leite consumido pela população brasileira costumam ser noticiadas com certa frequência, geralmente relatando a adição de água ou até mesmo soda cáustica ao produto. De acordo com o portal sobre lácteos MilkPoint, as fraudes podem ser praticadas em qualquer etapa da cadeia produtiva do leite, desde a produção, transporte, na chegada ao laticínio e nos produtos já expostos ao consumidor.
Para saber como é garantida a qualidade do leite consumido pelos brasileiros, o que fazer para reduzir as fraudes e qual o papel dos químicos na cadeia produtiva do setor, o CRQ-SP conversou com a Dra. Aline Silva Mello Cesar, Professora Associada do Departamento de Ciência e Tecnologia de Alimentos da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo, ESALQ/USP. Ela é a responsável pela pesquisa e disciplinas na área de leite e derivados e presidente da Comissão de Pesquisa e Inovação da ESALQ/USP. Veja os principais pontos da entrevista.
Qualidade
O leite é um alimento de grande importância nutricional na dieta dos humanos, principalmente nas fases da infância, adolescência e velhice, uma vez que apresenta em sua composição água, proteínas, lipídeos (ácidos graxos essenciais, como ácido linoleico (ômega-6) e linolênico (ômega-3), carboidratos, minerais e vitaminas. Para parte da população, e dependendo da fase de desenvolvimento, é a refeição principal.
O Brasil é o sexto maior produtor de leite do mundo. Mas, infelizmente, o leite é um alimento altamente perecível, e sua qualidade e segurança para o consumo dependem do manejo sanitário dos animais, de boas práticas de higiene e da cadeia do frio.
O Programa Nacional de Qualidade do Leite (PNQL), do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), tem como objetivo promover a melhoria da qualidade do leite, prover leite para todos, agregar valor e garantir a sustentabilidade da cadeia de produção do leite. A produção de leite em todas as suas etapas é regulamentada pelas Instruções Normativas nº 76 e nº 77, de 26 de novembro de 2018. Estas INs estabelecem a “obrigação da análise do leite cru de todos os produtores rurais que fornecem leite a estabelecimentos registrados na inspeção oficial, em frequência mínima mensal, na Rede Brasileira de Laboratórios da Qualidade do Leite – RBQL, credenciada ao MAPA”.
“A implantação deste programa levou a significativa melhora da qualidade do leite produzido no Brasil, principalmente nos padrões microbiológicos”.
Análises
As principais análises físico-químicas realizadas no leite cru são para checar a presença de antibiótico, pH, acidez, densidade, cor, odor, ponto de congelamento, presença de conservantes, neutralizantes e de adulterantes. Muitas destas análises podem ser realizadas por métodos colorimétricos, os quais são rápidos e de fácil realização.
Se passar por estes padrões de qualidade, o leite será transportado para os laticínios, e no momento do recebimento outra amostra será tomada pela equipe de garantia da qualidade dos laticínios. As avaliações dos padrões microbiológicos abrangem a contagem de bactérias totais (CBT) e a contagem de células somáticas (CCS).
Os testes de densidade do leite cru são realizados principalmente para detectar a adição de água ou outras substâncias estranhas, como conservantes e adulterantes. A ureia, a urina eo amido, são substâncias consideradas adulterantes para mascarar a adição de água.
Também são realizados testes para detectar a presença de substâncias com propriedades conservantes, como a água oxigenada (peróxido de hidrogênio, H2O2) e o formaldeído (formol). Estas duas substâncias atuam na inibição do crescimento microbiano, prolongando a vida útil do leite, e também podem ser detectadas por técnicas colorimétricas.
Os testes microbiológicos são realizados para garantir a segurança do alimento, os quais verificam a presença e a quantificação da presença de microrganismos patogênicos ou não.
Fraudes, porque é tão difícil detectar
A fraude em alimentos é definida como atividade ou ato de enganar o consumidor para obtenção de ganhos econômicos, sejam eles por meio da substituição, adição, diluição intencional de um alimento, matéria-prima ou a falsificação de um produto ou material aumentando o valor aparente ou reduzindo custos de produção por meio do aumento do valor aparente ou pela redução de custos em sua produção. Apesar das medidas para coibir a fraude alimentar, os produtos de origem animal, como leite, carnes e pescados, são os principais alvos, justamente pelo valor comercial destes alimentos e pelo interesse de ganho econômico.
A fraude no leite pode ocorrer em qualquer uma das etapas da cadeia produtiva, ou seja, no campo, no transporte, no beneficiamento ou na distribuição e venda final, o que dificulta ainda mais a fiscalização e detecção.
“No Brasil, temos uma legislação voltada para a produção de alimentos de origem animal muito bem definida, órgãos e técnicos capacitados, uma rede de laboratórios altamente equipados, redes de capacitação e treinamento disponíveis, pesquisa e estudos científicos que suportam e orientam”.
A importância da pesquisa científica e dos químicos
Uma das formas de se mitigar a fraude alimentar é pelo investimento em pesquisas científicas que busquem a identificação destas atividades de forma mais ampla, rápida, eficiente e acurada. Hoje, desenvolvemos em nosso laboratório protocolos para a detecção de fraude em diversos alimentos de origem animal e vegetal aplicando ferramentas de biologia molecular, mas temos em nossa instituição, Universidade de São Paulo (USP), estudos com a utilização de outras técnicas, como espectrofotometria, radioatividade, espectroscopia de luz ultravioleta e visível, espectroscopia vibracional, espectroscopia de emissão de fluorescência, espectroscopia de ressonância magnética nuclear, e espectrometria de massas.
“Nossa equipe publicou em 2024 um livro voltado para a sociedade em geral sobre fraude em alimentos de origem animal, o que inclui o leite, e pode ser acessado de forma gratuita no Portal de Livros Abertos da USP”.
Acredito muito que a fraude poderá ser mitigada por meio da informação, educação e da responsabilização criminal daqueles que a cometem. Os cientistas da área da química dos alimentos permitiram muitos avanços na produção de alimentos e buscam cada vez mais desenvolver, conhecer e aplicar tecnologias mais acuradas, rápidas, de menor custo e limpas.
De acordo com a Dra. Aline Silva Mello Cesar, os profissionais da área da química dos alimentos, sejam eles Químicos, Engenheiros Químicos, Cientistas dos Alimentos, Engenheiros de Alimentos ou outras áreas afins, podem contribuir para a mitigação da fraude alimentar, seja no leite ou qualquer outro alimento.
O CRQ-SP reforça que os profissionais da Química são essenciais em todas as etapas do processo de beneficiamento do leite, e informa que todas atividades que exigem conhecimento da área da química, como a realização de análises de controle de qualidade, devem ser realizadas apenas por profissionais da Química formados e registrados no CRQ da respectiva jurisdição.