Marca do CRQ para impressão
Disponível em <https://crqsp.org.br/lantanideos-por-dentro-das-novas-tecnologias/>.
Acesso em 06/12/2024 às 11h10.

Elementos Químicos – Lantanídeos

Elementos Químicos – Lantanídeos

Eles estão nos carros elétricos e nas novas tecnologias ambientalmente sustentáveis; mas sua extração é muito poluente

22 de março de 2023, às 14h04 - Tempo de leitura aproximado: 11 minutos

 

Por dentro das novas tecnologias

 

Podemos nem saber, mas eles estão muito próximos de nós em dezenas de dispositivos que usamos diariamente. / Foto: Melinda Young Stuart/visualhunt.com

 

Os lantanídeos são 15 metais que fazem parte do grupo denominado terras raras. Podemos nem saber, mas eles estão muito próximos de nós em dezenas de dispositivos que usamos diariamente, como smartphones e telas de TV, e em equipamentos de tecnologia considerada por muitos como ambientalmente sustentável, como turbinas eólicas e carros elétricos. Sua extração, contudo, gera elevados graus de poluição.

Eles possuem características químicas únicas, e por isso são insubstituíveis. Os lantanídeos não são raros, mas sua produção é cercada de desafios ambientais, geopolíticos e tecnológicos. Conheça um pouco mais desses metais cruciais para as tecnologias do século 21.

Em 1751 o mineralogista sueco Alex Cronstedt descobriu um mineral, que em 1803 Heinrich Klaproth, na Alemanha, e de forma independente, Jacob Berzelius e Wilhelm Hisinger, na Suécia, isolaram pensando se tratar de um novo óxido, ou “terra”. Aquele mineral ganhou o nome de ceria em referência ao recém-descoberto asteroide Ceres. Em 1839 o químico sueco Carl Gustaf Mosander começou a analisar sistematicamente as terras raras, descobrindo e dando nomes ao lantânio, érbio e térbio. Até 1843 Mosander também descreveu outro elemento isolado anteriormente, a yttria. [1]

O químico sueco Carl Auer von Welsbach
Wikimedia Commons

 

A separação das terras raras era difícil por terem propriedades químicas muito similares. Inicialmente os químicos só conseguiam isolar os elementos em quantidades muito pequenas, e com baixos níveis de pureza por meio da cristalização fracionada, método extremamente trabalhoso. O químico norte-americano Charles James realizou 15 mil recristalizações para obter bromato de túlio de boa qualidade. Na segunda metade do século XIX os químicos Gustav Krichhoff e Robert Bunsen desenvolveram a técnica da espectroscopia, que separava os elementos por meio de seu espectro de luz. [2,3]

Carl Auer von Welsbach era aluno de Robert Bunsen, o inventor do bico de Bunsen, na Universidade de Heidelbert, na Alemanha, em 1880, e começou a trabalhar com as terras raras. Era um químico de laboratório talentoso e mostrou que o dídimo, que então pensava-se ser um elemento, era de fato uma liga de elementos das terras raras, que ele deu nome de neodímio e praseodímio. Welsbach passou a dar atenção para questões industriais, e por isso se tornou a primeira pessoa a desenvolver o uso comercial para as terras raras. [3]

Durante a Segunda Guerra Mundial, ligas com base em magnésio e lantanídeos foram desenvolvidas para componentes aeronáuticos. Mas o maior interesse pelos lantanídeos surgiu em função da fissão nuclear, para construção de armas atômicas, que exigia a remoção total dos lantanídeos contidos nos minérios de urânio e tório, o que estimulou uma grande onda de interesse por esses metais. [1]

No início de 1947 o químico norte-americano Frank Harold Spedding e colegas na Universidade do Estado de Iowa publicaram uma série de estudos descrevendo métodos práticos para a separação das terras raras por cromatografia de troca iônica de deslocamento. Com isso, os químicos puderam trabalhar com as terras raras puras em quantidades significativas pela primeira vez. [2]

A partir da fissão do urânio 235 (235U), J. A. Marinsky, L. E. Glendenin e C. D. Coryell finalmente estabeleceram a existência do elemento 61 e, por sugestão da esposa de Coryell, o elemento ganhou o nome de prometheum, mais tarde promethium, em homenagem a Prometheus, deus da mitologia grega que roubou o fogo do paraíso para usar entre os humanos. Desde 1955 os lantanídeos podem ser obtidos em volumes cada vez maiores em suas formas elementares, bem como em formas combinadas. [1]

Fluorescentes e magnéticos

 

Em sentido horário, em cima, a partir do centro: óxidos de praseodímio, cério, lantânio, neodímio, samário e gadolínio. Foto: Wikimedia Commons

 

Os lantanídeos são elementos metálicos prateados, que têm números atômicos entre 57 e 71. Fazem parte deste grupo lantânio (La), cério (Ce), praseodímio (Pr), neodímio (Nd), promécio (Pm), samário (Sm), európio (Eu), gadolínio (Gd), térbio (Tb), disprósio (Dy), hólmio (Ho), érbio (Er), túlio (Tm), itérbio (Yb) e lutécio (Lu). Todos os lantanídeos formam íons +3 estáveis. Eles aparecem normalmente como uma fileira separada abaixo da tabela periódica para facilitar sua visualização. [4,5]

As terras raras incluem os 15 elementos dos lantanídeos mais o escândio (Sc) e o ítrio (Y), de números atômicos 21 e 39, respectivamente. Todos os elementos são metais com propriedades incomuns, como fluorescência, condutividade e magnetismo, o que os torna muito úteis quando utilizados em ligas, ou misturados em pequenas quantidades com metais mais comuns, como ferro e alumínio. [3]

Os lantanídeos são metais muito eletropositivos e reativos. Com exceção do itérbio, sua reatividade aparentemente depende do tamanho, e por isso o európio, que possui o maior raio metálico, é muito mais reativo. Eles escurecem no ar e, se incendiados no ar ou em oxigênio (O2), queimam rapidamente para formar La2O3 ou, no caso do cério, CeO2. [1]

Afora o instável 147Pm promécio (número atômico 61), cujos traços ocorrem em minérios de urânio, os lantanídeos na verdade não são raros. O cério, com 66 partes por milhão na crosta terrestre, é o 26º mais abundante de todos os elementos, sendo 5 vezes mais abundante que o chumbo. Até mesmo o túlio (0,5 ppm), o mais raro depois do promécio, é quase tão abundante na crosta terrestre quanto o iodo. [1]

Existem mais de 100 minerais que contêm lantanídeos, mas apenas dois têm importância comercial, a monazita e a bastnasita. A monazita é encontrada em muitas rochas, mas por causa de sua alta densidade e inércia, está concentrada nas areias de praias e leitos de rios, frequentemente, na presença de outros minerais, como a ilmenita e cassiterita. Os depósitos ocorrem no sul da Índia, África do Sul, Brasil, Austrália e Malásia, e até os anos 1960 esses países forneceram a maior parte de lantânio, lantanídeos e tório para o mundo, até que um vasto depósito de bastnasita, descoberto em 1949 nas montanhas Sierra Nevada, nos Estados Unidos, entrou em produção. Bastnasita também é extraída na China em grandes quantidades, e se tornou a fonte mais importante para o lantânio e os lantanídeos. [1]

Ultra tecnológicos

 

Turbinas eólicas para geração de energia usam neodímio -Foto: Narcisa Aciko no Pexels

 

Os íons dos lantanídeos possuem propriedades ópticas fascinantes, e suas aplicações atuais em equipamentos de alta tecnologia são amplamente derivadas por sua interação com a luz. Equipamentos de iluminação, como lâmpadas econômicas de LED, telas de computadores e de TV, fibras ópticas, amplificadores ópticos, lasers, bem como marcadores luminescentes para análises biomédicas, diagnósticos médicos e imagem celular, dependem basicamente dos íons dos lantanídeos. [6]

O érbio pode amplificar a luz ao comprimento de onda perfeito para reforçar os sinais nos cabos de fibra óptica, o que leva a informação ao mundo todo. O európio inicialmente realçou a cor vermelha nas telas de TV, e continua importante para as econômicas lâmpadas de LED usadas nas casas e nas empresas. Além dele, o cério, o térbio e o gadolínio estão nas telas de TV. Uma pequena quantidade de neodímio em liga com o ferro e boro produz um ímã permanente extremamente forte, usado em smartfones, turbinas eólicas e acionadores elétricos dentro de mísseis guiados. [7]

O neodímio está em ímãs permanentes encontrados nos alto-falantes e em fones de ouvido. O samário em liga com cobalto é usado para fazer os ímãs dos captadores das guitarras elétricas. As propriedades fosforescentes do európio e do térbio fazem com que seus compostos sejam utilizados para marcar notas de dinheiro e dificultar as falsificações. Compostos de lantanídeos também são usados para colorir cerâmicas e vidro. [4]

O iPhone se tornou um exemplo icônico da mágica tornada possível pelos metais das terras raras. O ítrio e o európio fazem as cores da sua tela brilhantes sem drenar a bateria; ímãs permanentes produzidos com neodímio, praseodímio e disprósio fazem o telefone vibrar e permitem que os alto-falantes tenham som alto e claro e caibam dentro de uma caixa de pequena espessura. [7]

Paradoxo: produtos ambientalmente sustentáveis, extração altamente poluente

 

Mina de Mountain Pass, na Califórnia: a maior produtora de terras raras dos EUA. Foto: Wikimedia Commons

 

Os maiores depósitos de terras raras, na forma de bastnasita e monazita, são encontrados na China e nos Estados Unidos. Entre 1965 até a metade dos anos 1980, a mina de Mountain Pass, na Califórnia, foi a principal fonte de terras raras. Desde 1985 a produção de terras raras na China aumentou dramaticamente, e hoje a China controla mais de 90% do fornecimento global dos minerais terras raras. [2]

Dados do Serviço Geológico norte-americano revelam que a produção mundial de terras raras em 2021 foi de 280 mil toneladas com os maiores produtores sendo: China, Estados Unidos, Mianmar e Austrália. As reservas mundiais de terras raras são estimadas em 120 bilhões de toneladas. O Brasil aparece no relatório com produção de 500 toneladas, mas detém 18,3% das reservas mundiais de terras raras. [8]

A extração das terras raras é feita por um dos processos de mineração mais tóxicos e ambientalmente destrutivos. A mineração excessiva causa deslizamentos de terras, assoreamento de rios, casos dramáticos de poluição ambiental e grandes desastres e acidentes, trazendo danos à segurança das populações próximas às unidades de produção e à sua saúde, além de problemas ecológicos. [2]

De acordo com estatísticas conduzidas em Baotou, no interior da Mongólia, onde a China concentra a principal área de extração de terras raras, as unidades de produção daquela região produzem aproximadamente 10 milhões de toneladas de águas residuais a cada ano, que são descartadas, na maior parte, com contaminantes e sem tratamento efetivo. Além disso, cada tonelada de terras raras produz 2 mil toneladas de resíduos de mineração, que frequentemente contém tório radiativo. [2]

Atualmente, o Brasil tem a segunda maior reserva mundial conhecida de terras raras, porém essa riqueza não é explorada, devido ao custo da tecnologia de extração e separação, o que obriga o País a importar esses elementos para usar como matéria-prima nas indústrias, principalmente da China. [9]

Na Universidade de São Paulo (USP), grupos de pesquisa realizam estudos com terras raras, com resultados promissores. Estuda-se um método de separação não poluente, baseado em nanotecnologia, além de aplicações em iluminação, lasers, produção de aço, células solares, filtros de raios ultravioleta e catalisadores automotivos. A USP também coordena o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia, para tentar dominar todas as etapas da cadeia produtiva da fabricação dos superímãs de terras raras, e atualmente colabora para a instalação de uma fábrica de ímãs em Minas Gerais. [9]

Referências

[1] – Greenwood N.; Earnshaw A. Chemistry of the Elements. 2. Ed. Butterworth Heinemann, 1997.
[2] – Rare Earth Elements. Disponível em https://www.periodni.com/rare_earth_elements.html. Acesso em 28/04/2022.
[3] – What Are the Rare Earth Elements, and Where Do They Come From? Disponível em https://www.sciencehistory.org/learn/science-matters/case-of-rare-earth-elements-history-future. Acesso em 28/04/2022.
[4] – The lanthanides. Disponível em https://edu.rsc.org/download?ac=14617. Acesso em 04/05/2022.
[5] – Tabela periódica Lanthanides. Disponível em https://www.rsc.org/periodic-table/. Acesso em 28/04/2022.
[6] – Taking advantage of luminescent lanthanide ions. Disponível em https://pubs.rsc.org/en/content/articlelanding/2005/cs/b406082m. acesso em 04/05/2022.
[7] – Choosing a Better High-Tech Future. Disponível em https://sciencehistory.org/distillations/choosing-a-better-high-tech-future. Acesso em 03/05/2022.
[8] – Rare Earths Statistics and Information. Disponível em https://www.usgs.gov/centers/national-minerals-information-center/rare-earths-statistics-and-information. Acesso em 27/04/2022.
[9] – Valiosas e versáteis: pesquisas com terras raras mostram caminho para criar cadeia produtiva no Brasil. Disponível em https://jornal.usp.br/ciencias/valiosas-e-versateis-pesquisas-com-terras-raras-mostram-caminho-para-criar-cadeia-produtiva-no-brasil/. Acesso em 16/05/2022.

 

Texto produzido pela Assessoria de Comunicação e MKT do CRQ-IV/SP, sob a supervisão de
Sandra Helena da Cruz , do Laboratório de Biotecnologia de Bebidos  e do
Comitê de ética em pesquisas da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq-USP)

 

 

 

 

Compartilhar