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Acesso em 03/05/2024 às 23h26.

Elementos Químicos – Hélio

Elementos Químicos – Hélio

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Calor que sentimos na Terra vem de reações nucleares desse gás
por Vera Regina Leopoldo Constantino

 

Foto: Pixaby

 

O gás hélio (He) é o segundo elemento químico mais abundante no Universo, respondendo por 24% de sua massa. Os outros 75% são preenchidos pelo hidrogênio (H), enquanto os demais elementos ocupam 1%.1 Em estrelas como o Sol, o hélio se forma a partir da fusão de núcleos de hidrogênio – a partir de um processo conhecido como nucleossíntese –, na qual ocorre produção de grande quantidade de energia (aproximadamente 4 x 1026 watts), que equivale a energia liberada na explosão de aproximadamente 9 x 1010 megatoneladas do explosivo TNT (trinitrotolueno) por segundo.2 A luz que recebemos e o calor que sentimos aqui na Terra são parte dessa energia da reação nuclear de formação do hélio.

Na Terra, o gás hélio foi identificado em 1895, 27 anos depois de sua identificação no Sol.3 Até então, acreditava-se que esse elemento existia somente na estrela. Esta é a razão para este gás ter sido nomeado como “hélio”, termo que tem origem na palavra grega “helios” e que significa “Sol”.

A quantidade de hélio na Terra é pequena porque se trata de um gás pouco denso (0,18 g/L contra 1,2 g/L do ar seco) e escapa do campo gravitacional do planeta. Em cada 1 m3 (1 milhão de mililitros) do ar atmosférico, há aproximadamente 5 mililitros de He. E por que, ainda assim, há He na nossa atmosfera? Na crosta terrestre, alguns minerais possuem os elementos radioativos urânio (U) e tório (Th), cujos núcleos se desintegram produzindo He.1-3 Por ser um gás leve, que se difunde facilmente, o hélio escapa da crosta para a atmosfera. A quantidade presente no mar também é muito baixa pelo fato de o elemento ser pouco solúvel em água.

Embora o gás hélio possa ser extraído do ar atmosférico por meio da liquefação, seguida de destilação fracionada, esse método não é economicamente viável. A principal fonte comercial de hélio é o gás natural (mistura de gases na qual prepondera o metano), que pode conter até 7% de He.1 Você pode estar se perguntando: como o hélio pode fazer parte da composição do gás natural? Lembre-se que o hélio é produzido em minerais na crosta terrestre e que os depósitos de gás natural também estão localizados na crosta. Altas quantidades de hélio no gás natural são encontradas em depósitos nos Estados Unidos, Catar, Argélia, Rússia, Austrália e Canadá.4

O hélio, assim como o radônio, faz parte da família ou grupo dos gases nobres e não estava presente na Tabela Periódica organizada por Dmitrii Mendeleev em 1869. O termo “nobre” se deve ao fato de tais elementos apresentarem baixa reatividade química como os metais nobres. Todos os gases nobres se apresentam na forma de gases monoatômicos nas condições ambientais. O hélio não possui cheiro, gosto ou cor e é inerte, ou seja, não sofre transformação química.

As principais aplicações do hélio baseiam-se no fato de que esse gás possui o menor valor de temperatura de ebulição (4,2 K ou -269 °C) dentre todas as substâncias.3 Assim, aproximadamente 22% da produção de hélio é usada no resfriamento de equipamentos de ressonância magnética nuclear (RMN) para diagnóstico por imagem em hospitais e clínicas de radiologia:5 o hélio líquido resfria o enrolamento de fios (geralmente feitos de materiais supercondutores) pelos quais passa a corrente elétrica que gera o campo magnético (quanto mais baixa a temperatura, menor a resistência elétrica e mais intenso o campo magnético gerado; consequentemente, maior a qualidade da imagem produzida pelo equipamento).

O hélio apresenta uma segunda fase líquida quando resfriado abaixo de 2 K (cerca de -271 °C). Essa outra fase líquida apresenta um comportamento intrigante: a viscosidade é praticamente nula, ou seja, possui superfluidez. Isso significa que nenhum recipiente aberto pode conter o He líquido abaixo de 2 K, que flui pelas paredes do recipiente (confira o vídeo abaixo).

 

Por ser inerte, o hélio também pode ser aplicado em áreas bem diversas das citadas. Todos já brincaram com um 11balão de hélio, e o viram subir alto até desaparecer no céu. O gás também é usado, por exemplo, para preencher zepelins (dirigíveis) de anúncios comerciais e balões meteorológicos, pressurizar combustíveis de foguete e detectar vazamentos, além de constituir o meio inerte para processos industriais envolvendo metais (metalurgia) sensíveis ao ar ou o crescimento de cristais ultrapuros de silício para eletrônica.1-4 Em equipamentos de cromatografia (cromatógrafos), o hélio é usado como gás de arraste em virtude de sua inércia.

Devido a sua baixa solubilidade no sangue comparada à do gás nitrogênio presente no ar (o ar atmosférico possui aproximadamente 78% de N2 e 21% de O2 em volume), o gás hélio é usado em mistura com o gás oxigênio (79% de He e 21% de O2) para preencher os cilindros de gás para mergulho, evitando os problemas causados pelo gás nitrogênio, como a formação de bolhas na descompressão que podem obstruir vasos sanguíneos.5 Essa mistura, conhecida como Heliox®, também é utilizada, por exemplo, no tratamento de pacientes com obstrução das vias aéreas ou asma porque a sua baixa densidade da mistura, comparada à densidade do ar, facilita a respiração .5-6

A inalação do gás hélio afina a voz (costumam dizer que a voz se assemelha à do Pato Donald nos desenhos animados). Isso acontece porque o som (ondas sonoras) viaja três vezes mais rápido no He do que no ar por ser menos denso, alterando a frequência das ondas sonoras. Apesar de ser um gás inerte, isso não significa que podemos inalar grande quantidade de hélio: sua presença em alta quantidade implica baixa quantidade de gás oxigênio, essencial para a manutenção da vida.

Em abril de 2019 foi detectada pela primeira vez uma espécie molecular no espaço interestelar.7 Trata-se do íon de composição HeH+, detectado pelo observatório SOFIA (sigla em inglês para Stratospheric Observatory for Infrared Astronomy) da NASA, em uma nebulosa a 3 mil anos-luz da Terra, em estudo desenvolvido por um grupo de cientistas alemães. Era prevista a existência do HeH+ no espaço, mas ainda não existiam instrumentos suficientemente adequados para a sua detecção. Essa observação é muito importante, uma vez que a química do Universo pode ter se iniciado com essa espécie molecular.

Referências

1. J. Emsley, Nature’s Building Blocks: An A-Z Guide to the Elements, Oxford University Press, 2011.

2. https://www.universetoday.com/75803/how-does-the-sun-produce-energy/, acessado em 29 de novembro de 2020.

3. https://www.rsc.org/periodic-table/element/2/helium, acessado em 24 de fevereiro de 2020.

4. https://www.essentialchemicalindustry.org/chemicals/oxygen.html, acessado em 20 de fevereiro de 2020.

5. C.J. Berganza, J.H. Zhang, The role of helium gas in medicine, Medical Gas Research, 2013, 3 (18), 1-7.

6. L.R. Braun Filho, S.L. Amantéa, A. Becker, L. Vitola, V.F. Marta, R. Krumenauer, Uso da mistura gasosa de hélio e oxigênio (Heliox®) no tratamento da doença respiratória obstrutiva da via aérea inferior em serviço de emergência pediátrica, J Pediatr. (Rio J), 2010, 86(5), 424-428.

7. R. Güsten, H. Wiesemeyer, D. Neufeld et al., Astrophysical detection of the helium hydride ion HeH+, Nature, 2019, 568, 357–359.

 

ATENÇÃO! Os experimentos com substâncias químicas mostrados nos vídeos aqui incluídos só devem ser reproduzidos na presença de um profissional ou professor de química, e em ambiente controlado. Não tente reproduzir esses experimentos por conta própria.

 

*Docente do Instituto de Química da USP.
Publicado em 27/01/2021

 

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