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Acesso em 21/12/2024 às 15h45.

A química do açúcar

A química do açúcar

Conhecido da humanidade há muito tempo, o açúcar, cuja descoberta é atribuída aos indianos, possui espaço importante na vida diária das sociedades. Fazem uso dele donas de casa, trabalhadores, apreciadores de cafezinho e a indústria de alimentos, a qual consome toneladas de açúcar para a produção de uma infinidade de produtos, que vão desde biscoitos até bebidas.

O Brasil é um dos maiores produtores e exportadores de açúcar do mundo, com 31 milhões de toneladas produzidas na safra 2008/2009. A região centro-sul produz 86%, em 6 unidades produtoras de açúcar e 186 unidades que produzem açúcar e etanol, de acordo com dados de 2010 da UNICA, União da Indústria de Cana de Açúcar. No Nordeste, onde a história e a importância do açúcar se confundem com a história da própria região, a produção anual aproxima-se dos 5 milhões de toneladas de açúcar. 

O açúcar é obtido da cana-de-açúcar ou da beterraba açucareira. No Brasil e na Austrália a preferência é pela cana devido à sua maior capacidade de aclimatação e adaptação aos ambientes locais; em países europeus é utilizada a beterraba açucareira.

A Comissão Nacional de Normas e Padrões para Alimentos em sua Resolução CNNPA nº 12 de 1978 define: açúcar é a sacarose obtida de Saccharum officinarum, ou de Beta alba, L., por processos industriais adequados. O produto é designado “açúcar”, seguido da denominação correspondente às suas características. Ex: “açúcar cristal”, “açúcar mascavo”.

Quimicamente os açúcares são enquadrados na classe dos carboidratos ou hidratos de carbono, com fórmula molecular (CH2O)n. Eles são encontrados na forma de monossacarídeos, dissacarídeos ou polissacarídeos. O carboidrato encontrado em maior proporção no nosso açúcar é a sacarose, um dissacarídeo formado por glicose e frutose (Figura 1).

 

Figura 1. Fórmula estrutural da sacarose

Os carboidratos são a principal fonte de energia do organismo. Como eles encontram-se presentes em diferentes alimentos, o seu consumo em excesso pode causar doenças como obesidade e diabetes. A Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda que a ingestão de açúcar refinado não ultrapasse 10% do consumo diário total de calorias. Isso equivale numa dieta de 2.000 calorias diárias, a quatro colheres de sopa rasas, aproximadamente.

Na natureza os açúcares são utilizados em vias aeróbicas ou anaeróbicas pelos organismos vivos para a obtenção de energia e manutenção da vida. A fonte de carboidratos para o ecossistema são os organismos fotossintetizantes como as plantas e diversos microrganismos que produzem energia através do uso de energia solar, água e gás carbônico. O produto mais comum da fotossíntese é a sacarose, armazenada em órgãos de reserva, como o colmo da cana.

Processo de produção

A cana-de-açúcar após a maturação, com pelo menos 13% de sólidos solúveis (Brix), é colhida e transportada até a unidade produtora. O caldo da cana é obtido por um processo de extração utilizando um conjunto de rolos (moendas) ou por difusão utilizando difusores. Em torno de 20% do caldo de cana são sólidos solúveis em água; destes a maior parte são açúcares e perto de 2,5% são compostos orgânicos e inorgânicos (minerais). Em ambos os processos, o preparo prévio da cana, com desfibradores e picadores, aumenta a eficiência de extração. O resíduo produzido na etapa de extração é o bagaço, responsável pela geração de energia na queima em caldeiras.

O caldo da cana, por sua vez, é submetido a um processo de clarificação mais ou menos intenso, dependendo do produto a ser obtido. O açúcar bruto é processado com cal – a chamada caleagem; o açúcar branco é processado com enxofre e cal. Este caldo clarificado é concentrado em evaporadores e cozedores, transformando-se em uma massa, a massa cozida. A turbinagem (ou centrifugação) da massa cozida separa os cristais de açúcar da parte líquida, denominada “mel”. O açúcar é, portanto, definido como o produto obtido da industrialização da cana, sendo constituído de cristais de sacarose.

 O açúcar é classificado dependendo das características como: cor, pol (teor de sacarose), sulfito, entre outras. A cor ICUMSA é dada pelo valor numérico da cor de uma solução açucarada, medida pelo método da International Commission for Uniform Methods of Sugar Analysis. Entre os açúcares do tipo cristal, a cor ICUMSA é o que define a classificação. O sulfito representa o resíduo de enxofre, na forma de sulfito, encontrado no açúcar cristal branco com um limite permitido de 15mg por quilo de açúcar.


Tipos de açúcar

Açúcar bruto (VHP ou VVHP) é aquele obtido por clarificação do caldo de cana-de-açúcar, sem uso de enxofre. Apresenta-se na forma de grãos regulares com cor mais intensa (cor ICUMSA acima de 400), sendo adequado para processos que exijam sabores e texturas característicos. É muito utilizado na indústria alimentícia como matéria prima para confeitos, panificados e produção de cereais matinais.

Açúcar cristal ou cristal especial é a denominação dada ao açúcar obtido por cristalização controlada do caldo de cana tratado. Para a sua obtenção é necessário um processo mais exigente de clarificação, utilizando sulfitação e caleagem. São cristais finos, regulares, com alto brilho e pureza de 99,5%. É ideal para produção de bebidas carbonatadas, licores, sucos, sorvetes e doces em geral. Suas principais características são: baixo teor de sólidos solúveis não açúcares e coloração mais clara (tendendo ao branco). Pode ser armazenado por até dois anos em condições adequadas.

– O açúcar refinado pode ser obtido por um processo de refino do açúcar cristal dissolvido, através de cristalização controlada. Este processo resulta em dois tipos de açúcar: refinado granulado e refinado amorfo. O açúcar refinado granulado tem granulometria homogênea e coloração clara, e é indicado para processos que exijam alta pureza e produtos que exijam transparência quando acabados. Devido à composição de 99,8% de sacarose, sua pureza é alta, e, portanto, ele não interfere no sabor final dos produtos, sendo utilizado para produção de bebidas lácteas e achocolatados, doces, panificação, refrescos em pó, aditivos especiais para carnes e derivados e xaropes farmacêuticos. Em geral, tem prazo de validade de 2 anos se armazenado de maneira adequada. O açúcar refinado amorfo possui granulometria muito fina e irregular, com coloração clara, alta higroscopicidade, sendo ideal para processos que exijam rápida dissolução. Ele se homogeneiza com facilidade com outros produtos. A validade do produto é de aproximadamente 1 ano se estocado de maneira adequada.

 – Extremamente adequado para uso direto em indústrias de alimentos e bebidas, o açúcar líquido (sacarose) é límpido, claro, isento de odor e aroma, com concentração aproximada de 65% a 68% de sólidos, sendo obtido por dissolução do açúcar cristal em água isenta de cloro. É muito utilizado na indústria alimentícia para a produção de bebidas carbonatadas ou não, licores, sucos de frutas, sorvetes, alimentos matinais, balas achocolatadas, biscoitos, confeitos e cervejas especiais adoçadas. Como já vem dissolvido, não apresenta custos de dissolução para o processo em que será utilizado. Apesar de diversas vantagens, o produto possui período de validade de apenas 15 dias, e deve ser estocado em tanques específicos e passíveis de sanitização.

 Açúcar líquido invertido é a denominação dada ao açúcar obtido por hidrólise ácida controlada de solução de sacarose, resultando em uma mistura de glicose, frutose e sacarose. O produto obtido é um xarope transparente isento de odores e aromas, com poder edulcorante maior que a sacarose e com validade de até 90 dias. Possui cerca de 76% de sólidos solúveis, constituídos por 34% de sacarose e 66% de açúcar invertido em água. Este tipo de açúcar também pode ser obtido por hidrólise enzimática utilizando-se a invertase.

 Açúcar mascavo é o açúcar proveniente da cana obtido por um processo mais simples. Como o caldo da cana não é submetido a tratamento de clarificação, este açúcar possui coloração entre o caramelo e o marrom.

 Açúcar orgânico é aquele obtido seguindo parâmetros similares de produção, embora a matéria-prima e o processo devam seguir rígidos padrões de qualidade que levam em consideração a filosofia e os parâmetros técnicos da produção orgânica de alimentos. Isto abrange tanto o setor agrícola como o setor industrial, que deve possuir certificação adequada do IBD (Associação de Certificação Instituto Biodinâmico). Tem validade de aproximadamente dois anos e permite ao produtor explorar nichos específicos de mercado.

Controle analítico na produção de açúcar

O açúcar, independentemente das características desejadas, é submetido a diversos controles durante o processamento, tanto operacional como analítico. Para a realização das análises é necessária a presença de profissionais da área da química.

Algumas análises são frequentes na indústria sucroalcooleira, tais como teor de sacarose (POL), de sólidos solúveis (BRIX) e açúcares redutores (AR). Para isto são colhidas amostragens periódicas em cada etapa do processo. Algumas análises são específicas para cada etapa, como por exemplo, as quantidades de fibras presentes na cana e no bagaço.

Para que o açúcar final seja de qualidade adequada são realizados controles de perdas de sacarose na água de condensação, enquanto na água de alimentação os controles analíticos são realizados nas águas de caldeira, lavagem da cana, sistema de refrigeração e águas condensadas de caldeira.

Os controles operacionais visam identificar desvios momentâneos em relação às condições de operação desejadas. Eles têm um caráter preventivo para evitar possíveis problemas nas operações e fases seguintes do processo. Os controles operacionais a serem adotados por uma usina devem ser os mais abrangentes possíveis. Durante o processo de fabricação do açúcar são gerados efluentes industriais que são tratados e controlados.

Os profissionais da área química atuam em todo o processo participando do controle analítico, das análises da cana como matéria-prima desde antes da colheita, do caldo após a extração, clarificação e concentração até a qualidade do açúcar – produto final. Por outro lado, eles trabalham, ainda, diretamente dentro das usinas visando identificar desvios momentâneos em relação às condições de operação desejadas nos controles operacionais das moendas, evaporadores, cozedores, caldeiras e efluentes industriais. Sua atuação é fundamental para garantir padrões de qualidade para o produto e garantir que os níveis de sulfito, por exemplo, estejam dentro dos parâmetros definidos pela legislação. Os químicos também estão presentes no setor de tratamento e descarte de efluentes, analisando águas de lavagem, controle de água de caldeira e perdas de açúcar nas águas condensadas.

 

Bibliografia Consultada:

Folheto informativo Açúcar da Barra 

ALBUQUERQUE, F.M. Processo de fabricação do açúcar. Editora Universitária UFPE – Recife, PE, 2011. 273 p.

DELGADO, A.A.; DELGADO, A.P. Produção do Açúcar Mascavo, Rapadura e Melado. Stab, Piracicaba, SP, 1999. 154p.

OLIVEIRA, D.T.; ESQUIAVETO, M.M.M.; SILVA-JUNIOR, J.F. Impacto dos itens da especificação do açúcar na indústria alimentícia. Ciência e Tecnologia de Alimentos, Campinas, v. 27, p. 99-102, 2007.

Texto

Sandra Helena da Cruz – Bacharel em Química
Docente do Curso Ciências dos Alimentos– ESALQ/USP
E-mail: shcruz@usp.br

Danilo Augusto Sarti
Engenheiro Agrônomo – ESALQ/USP

 

Publicado em 07/12/2011

 

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