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Acesso em 21/12/2024 às 16h18.

A prata e seus compostos contra a tuberculose

A prata e seus compostos contra a tuberculose

Figura 1: A prata na Tabela Periódica.

A prata é um elemento da décima primeira família da Tabela Periódica e é bastante conhecida pelas suas propriedades ópticas e elétricas. Pela sua capacidade de refletir praticamente toda luz visível, a prata é utilizada em espelhos, telescópios e microscópios. Este metal nobre é conhecido e empregado há milhares de anos e já chegou a ser mais valioso que o ouro. Ele pode ser usado na confecção de moedas, talheres, joias, eletrônicos, catalisadores, células solares e na Medicina.

A história desse elemento acompanha a história da humanidade desde a Antiguidade, na época em que a prata era utilizada para fabricação de ornamentos e utensílios. No Império Romano e na Grécia Antiga, a prata foi utilizada como garantia da estabilidade monetária1. Desde então, a prata vem se destacando em diversas áreas de pesquisa. Em 1906, o Prêmio Nobel foi dado à pesquisa que permitiu a visualização do sistema nervoso central utilizando sais de prata. Dois anos depois, Gabriel Lippmann recebeu o Nobel por reproduzir as cores de uma fotografia utilizando interferência de filmes de prata. Mais tarde, em 1915, o Prêmio foi entregue a Theodore William Richards pelo cálculo exato da massa atômica de vários elementos, entre eles a prata.

Os sais de prata na forma de nitrato e cloreto estão entre os compostos mais conhecidos desse metal, este último sendo bastante conhecido pela sua baixa solubilidade em água. A prata também era muito utilizada como sais de iodeto, cloreto e brometo, em fotografias coloridas e como antisséptico. Na forma de nanopartículas, este metal já foi utilizado no passado para mudar a coloração dos vidros (principalmente em vitrais de igrejas) e hoje em dia é tanto aplicado em matrizes vítreas para melhorar as propriedades ópticas e elétricas, quanto incorporado em materiais que servem como catalisadores. Na Figura 2, pode-se observar uma imagem de Microscopia Eletrônica de Transmissão (MET), na qual temos as nanopartículas de prata incorporadas em uma matriz de zeólita. Nesse trabalho, os pesquisadores utilizaram a prata como catalisador para a produção de aldeídos2.

Como medicamento, a forma comercial mais comum da prata é o complexo com sulfadiazina, que é utilizado desde a década de 1940 como agente antimicobacteriano. O complexo diaminfluoroprata(I) também é bastante utilizado em Odontologia, na forma de solução para o tratamento de cáries3. O uso recorrente da prata é devido à sua propriedade, há muito conhecida, de impedir o crescimento de bactérias. Embora o mecanismo ainda não esteja bem delineado, as pesquisas na área sugerem que isso ocorre pela interação do metal com os grupos amino e tiol de resíduos de aminoácidos, proteínas, ácidos nucleicos e membranas celulares dos microrganismos4. Dessa forma, a Medicina e a Química vêm trabalhando juntas para produzir novos medicamentos que podem ser utilizados em tratamentos de doenças que apresentam, por exemplo, resistência a antibióticos. Entre essas doenças, uma das mais alarmantes é a tuberculose, que mata cerca de 4,5 mil pessoas por ano no Brasil, segundo dados do Ministério da Saúde..

Figura 2. MET das nanopartículas de prata incorporadas na matriz de zeólita. (Fonte: DITTERICH, R. G.; ROMANELLI, M. C. M. O. V.; RASTELLI, M. C.; CZLUSNIAK, G. D.; WAMBIER, D. S., 2006)3

 

O uso de medicamentos que possuem metal na sua composição vem sendo de grande interesse da comunidade científica, e as pesquisas nessa área se direcionam para se identificar novas moléculas que sejam compatíveis com os organismos vivos. O trabalho de Cavicchioli e colaboradores5, publicado em 2007, apresenta complexos de prata com moléculas de adoçantes. Essas moléculas foram escolhidas pois suas interações com o meio biológico são bem conhecidas. Nessa pesquisa, apresentou-se a síntese e a caracterização dos complexos a partir de três adoçantes diferentes: ciclamato de sódio, aspartame e sacarina de sódio. Os resultados apresentados mostraram que os compostos podem ser obtidos facilmente e com baixo custo de produção. Além disso, eles têm atividades antimicobacterianas, com destaque para o complexo de ciclamato, que apresentou Concentração Inibitória Mínima (do inglês Minimal Inhibitory Concentration) de 15,7 μmol.L-1, considerado muito bom, quando comparado com outros medicamentos similares.

A principal preocupação no desenvolvimento desses fármacos concentra-se na bioacumulação do metal no organismo e na baixa seletividade dos complexos4. Nesse sentido, outro grupo de pesquisa brasileiro demonstrou que a prata, quando na forma de complexo, possui atividade antibacteriana melhorada em relação ao ligante livre (que não apresentou atividade) e alta em relação à prata na forma de nitrato6. A Figura 3 mostra o ligante utilizado na síntese do fármaco.

Figura 3. Molécula de N,N’-bis(trans-cinnamaldeído)etano-1,2-diamin, utilizada como ligante no complexo. (Fonte: AMARAL, T. C.; MIGUEL, F. B.; COURI, M. R. C.; CORBI, P. P.; CARVALHO, M. A.; CAMPOS, D. C.; PAVAN, F. R.; CUIN, A., 2018.)7

 

Miguel N. Pinto e colaboradores4 desenvolveram, pela Universidade da Califórnia, um complexo de prata que altera sua luminescência de acordo com a quantidade do metal presente. Na Figura 4, é possível ver uma modelagem para o complexo com o metal utilizado nesse estudo. A prata está representada por Ag1 e Ag1A, no centro da imagem. Esse complexo, associado a um hidrogel, pode ser utilizado na distribuição homogênea da prata como terapia e também diagnóstico. A utilização do hidrogel permite controlar a quantidade e a velocidade que o metal é liberado. Todos esses complexos e suas propriedades micobactericidas são potenciais agentes no tratamento da tuberculose.

Figura 4. Estrutura molecular do complexo de prata. (Fonte: PINTO, M. N.; GONZALEZ, J. M.; CHAKRABORTY, I.; MASCHARAK, P. K., 2018)4

 

Esses trabalhos nos mostram que a prata é um elemento muito versátil, podendo ser utilizado desde ornamentos no dia-a-dia, passando por catalisadores na produção de aldeídos, até medicamentos como a sulfadiazina de prata.

Ricardo Santos Baltieri
Pós-graduando em Química pelo IQ/UNESP – Araraquara

E-mail: ricardo.baltieri@hotmail.com

Prof. Dr. Antônio Carlos Massabni
Prof. Titular Aposentado do IQ/UNESP – Araraquara
E-mail: amassabni@uol.com.br 

Referências

1. PATTERSON, C. C. Silver Stocks and Losses in ancient and medieval times. The economic history review, maio 1972, pp. 205-235.

  1. SHI, C.; CHEN, B. B.; LI, X. S.; CROCKER, M.; WANG, Y.; ZHU, A. M. Catalytic formaldehyde removal by ‘‘storage-oxidation’’ cycling process over supported silver catalysts. Chemical Engineering Journal, jun. 2012.
  1. DITTERICH, R. G.; ROMANELLI, M. C. M. O. V.; RASTELLI, M. C.; CZLUSNIAK, G. D.; WAMBIER, D. S. Diamino fluoreto de prata: uma revisão de literatura. Publicatio UEPG, Ponta Grossa, 2006, pp. 45-52.
  1. PINTO, M. N.; GONZALEZ, J. M.; CHAKRABORTY, I.; MASCHARAK, P. K. Incorporation of a Theranostic “Two-Tone” Luminescent Silver Complex into Biocompatible Agar Hydrogel Composite for the Eradication of ESKAPE Pathogens in a Skin and Soft Tissue Infection Model. Inorganic Chemistry, Santa Cruz, 2018.
  1. CAVICCHIOLI, M.; LEITE, C. Q. F.; SATO, D. N.; MASSABNI, A. C. Synthesis, Characterization and Antimycobacterial Activity of Ag(I)-Aspartame, Ag(I)-Saccharin and Ag(I)-Cyclamate Complexes. Archiv der Pharmazie – Chemistry in Life Sciences, Araraquara, 2007, pp. 538-542.
  2. AMARAL, T. C.; MIGUEL, F. B.; COURI, M. R. C.; CORBI, P. P.; CARVALHO, M. A.; CAMPOS, D. C.; PAVAN, F. R.; CUIN, A. Silver(I) and zinc(II) complexes with symmetrical cinnamaldehyde Schiff base derivative: Spectroscopic, powder diffraction characterization, and antimycobacterial studies. Polyhedron, Juiz de Fora, 2018, pp. 166-171.

Publicado em 06/08/2019

 

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