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Acesso em 26/06/2025 às 10h36.

Elemento químico – Urânio

Elemento químico – Urânio

O elemento central na guerra. Aprenda como o urânio é enriquecido e como ocorre a produção de energia nuclear!

23 de junho de 2025, às 11h41 - Tempo de leitura aproximado: 13 minutos

O símbolo internacional que indica a presença de radiação. Imagem Grunge Love on Visual Hunt.

 

O urânio é um metal radioativo de ocorrência natural, faz parte de rochas, do solo, do ar e da água, ocorrendo na natureza em forma de minerais. Tem número atômico 92 e símbolo U, e faz parte do grupo dos actinídeos. É o elemento natural mais pesado disponível em grandes quantidades.

O urânio metálico puro tem coloração prateada clara, superfície cinzenta e é quase tão forte quanto o aço, consegue reagir com quase todos os elementos da tabela periódica, com exceção apenas dos gases nobres. Entre as principais reações estão com os gases oxigênio e nitrogênio, além da reação com água. O urânio também tem capacidade de reagir com a maioria dos ácidos, como o clorídrico, nítrico e fluorídrico, porém, não apresenta reatividade com bases. É maleável, dúctil, fortemente eletropositivo e um condutor elétrico fraco.

Além disso, o urânio apresenta três estruturas metálicas diferentes, chamadas de alfa, beta ou gama, as quais podem ser intercambiadas por meio de aquecimento.  Os compostos de urânio podem apresentar estados de oxidação que variam de +2 a +6, sendo os estados +4 e +6 os mais comuns, como nos compostos UO2 (dióxido de urânio) e UF6 (hexafluoreto de urânio).

Existem 27 isótopos conhecidos do urânio, variando de massas atômicas 217-219, 222-240 e 242, com meias vidas entre bilhões de anos a poucos nanosegundos. O urânio natural consiste em três isótopos principais: 238U (abundância de 99,28%), 235U (0,71%) e 234U (0,0054%). Embora os três isótopos sejam radioativos, apenas o 235U é um material fissionável e pode ser usado para gerar energia nuclear.

 

A idade da Terra

Foto da Nasa mostra lava sendo expelida por um vulcão em Galápagos, em 2024: urânio e tório podem ser os responsáveis pelo calor interno da Terra.

 

Uma das propriedades radioativas do urânio é sua meia-vida, ou seja, o tempo necessário para que metade do isótopo se livre de sua radiação e se transforme em outra substância.

As meias-vidas são muito longas, em torno de 200 mil anos para 234U, 700 milhões de anos para 235U e 5 bilhões de anos para 238U. É por isso que o urânio ainda é encontrado na natureza e não decaiu totalmente. Esses isótopos são úteis para fazer a datação de rochas ígneas. Isso também sugere que metade do urânio existente desde a formação da Terra decaiu em outros elementos radioativos, e até mesmo em elementos estáveis. Grande parte do calor interno da Terra é atribuído ao decaimento de radioisótopos de urânio e tório.

O isótopo 235U é usado como combustível em usinas de energia nuclear e para a fabricação de armas. Para produzir o combustível, o urânio natural é separado em duas partes; a parte do combustível que possui mais 235U que o normal é chamada de urânio enriquecido. A outra parte, com menos 235U, é denominada urânio empobrecido, ou DU, da sigla em inglês para depleted uranium. Tanto o urânio natural quanto o empobrecido e o enriquecido são quimicamente idênticos. O urânio empobrecido é o menos radioativo.

 

Vídeo da Universidade de Nottingham mostra algumas características do urânio. Com legendas em português do Prof. Luís Brudna.

 

Usos

 

Usina nuclear em funcionamento nos Estados Unidos: existem mais de 440 em operação no mundo inteiro. Foto Carol Highsmith Library of Congress.

O urânio é um elemento importante pois fornece o combustível nuclear utilizado para gerar eletricidade em usinas nucleares. O 235U é o único combustível fissionável natural, ou seja, um combustível capaz de sustentar uma reação em cadeia. O combustível de urânio usado em reatores nucleares é enriquecido com 235U. A reação em cadeia é controlada com materiais que absorvem nêutrons, e o calor gerado pelo combustível é usado para gerar vapor, que gira turbinas e gera energia elétrica. Outro isótopo físsil, 233U, pode ser produzido a partir do tório natural, e também é importante na tecnologia nuclear.

Existem atualmente 442 reatores em operação no mundo, segundo dados do relatório 2021 da Agência Internacional de Energia Atômica. Os países com maior número de usinas nucleares em operação são Estados Unidos, França, China e Rússia. O Brasil tem duas usinas nucleares.

O urânio também é usado como munição para alguns tipos de armamento militar (armas nucleares) e para gerar energia em submarinos nucleares. É aplicado ainda na indústria de raios-X, como escudo de proteção contra radiação.

Urânio empobrecido é consideravelmente menos radioativo que o urânio natural, e consiste em um metal denso, extremamente tóxico, que pode ser usado como lastro para navios e contrapesos para aeronaves.

O urânio já era usado como agente colorizante em esmaltes cerâmicos e em vidros desde a Roma Antiga. Um exemplar de 2 mil anos de vidro amarelo encontrado em 1912 em Cabo Posillipo, em Nápoles, contém 1% de óxido de urânio. O urânio continuou a ser utilizado na idade média para conferir tons laranja-avermelhados e amarelo limão aos vidros. Trióxido de urânio (UO3) é um pó laranja e foi usado para colorir louças nos Estados Unidos no século 20, mas seu uso foi descontinuado.

 

Obtenção

 

Livro The Mineral Kingdom, de Johann Gottlob, de 1859, mostra os minerais de onde se obtém o urânio. Imagem Science History Institute

 

Atualmente são conhecidos mais de 200 minerais que contém urânio, sendo este elemento considerado mais abundante do que o mercúrio, o antimônio, a prata ou o cádmio, e quase tão abundante quanto o molibdênio ou o arsênio. Ele ocorre naturalmente em baixas concentrações no solo, em rochas e na água, e em vários minerais, como pechblenda (óxido de urânio, U3O8), uraninita (UO2), carnotita (K2(UO2)2VO4·1-3H2O) e autunita (Ca(UO2)2(PO4)2·10H2O). Também é encontrado em rochas fosfáticas (Ca3(PO4)2), linhita (carvão fóssil) e areias monazíticas ((Ce, La, Th, Nd, Y)PO4), sendo recuperado comercialmente dessas fontes.

Para obtê-lo, as rochas são levadas a uma unidade de processamento químico onde o urânio é extraído e transformado em elementos químicos de urânio ou em metal. As areias remanescentes deste processamento são ricas em elementos químicos e materiais radioativos que não foram removidos, como rádio e tório.

Como há pouca demanda pelo urânio metálico, o urânio é normalmente vendido em forma de diuranato de sódio (Na2U2O7), também conhecido como óxido amarelo de urânio, ou octóxido de triurânio (U3O8).

O urânio metálico pode ser preparado pela redução de haletos de urânio com metais dos Grupos 1 e 2, ou pela redução de óxidos de urânio com cálcio ou alumínio.

Estima-se que anualmente sejam produzidas 41 mil toneladas de urânio no mundo.

 

Perigos

Além de radioativo, o urânio e seus compostos são altamente tóxicos. O urânio metálico quando dividido em mínimas partes é pirofórico, o que significa que pode inflamar. Na natureza o U(IV) forma complexos de carbonato solúveis em meio alcalino. Isso leva a um aumento na mobilidade e na disponibilidade de urânio em águas subterrâneas e em solos provenientes de depósitos de resíduos nucleares, que gera riscos à saúde.

Trabalhar com urânio exige o conhecimento das máximas concentrações admissíveis que podem ser inaladas ou ingeridas.

O mundo registra três grandes acidentes ocorridos em usinas nucleares nos últimos 50 anos. O pior deles ocorreu em 1986, na usina de Chernobyl, na antiga União Soviética. Outro grave acidente ocorreu na usina de Fukushima, no Japão, em 2011. O terceiro grande acidente ocorreu em 1979 na usina de Three Mile Island, nos Estados Unidos.

 

Descobertas

 

Os três pioneiros: Martin Klaproth descobriu o urânio; Eugene Peligot isolou o urânio metálico; Henri Becquerel descobriu que o elemento é radioativo. Imagens: Wellcome/ Bibliothèques d’Université Paris Cité/ Library of Congress

 

Na Idade Média, o mineral pechblenda, ou óxido de urânio, U3O8), foi encontrado algumas vezes em minas de prata. Em 1789, o químico alemão Martin Heinrich Klaproth decidiu investigá-lo, então dissolveu a pechblenda em ácido nítrico e obteve um composto sólido amarelo. Klaproth concluiu que era o óxido de um novo elemento, e tentou produzir o metal, sem sucesso. Embora Klaproth acreditasse que aquela substância retirada da pechblenda fosse urânio puro, na verdade era dióxido de urânio, UO2. O planeta Urano tinha sido descoberto recentemente, e Klaproth homenageou-o, dando o nome de urânio ao elemento que descobrira. O nome faz referência ao deus grego do céu e do paraíso.

Coube ao químico francês Eugène Peligot isolar a primeira amostra de urânio metálico, em 1841, em Paris, ao aquecer tetracloreto de urânio (UCl4) com potássio.

A descoberta de que o urânio era radioativo ocorreu mais de 50 anos depois, em 1896, quando o físico Henri Becquerel, em Paris, deixou uma amostra de urânio sobre uma chapa fotográfica não exposta. Isso fez com que a chapa se tornasse turva, e ele deduziu que o urânio emitia raios invisíveis. A radioatividade havia sido descoberta.

A energia nuclear

 

O lançamento da bomba atômica sobre Nagasaki precipitou o fim da segunda guerra mundial em 1945. Imagem Wikimedia Commons.

 

A descoberta da fissão nuclear do urânio por Otto Hahn em dezembro de 1938 desencadeou um estudo amplo da física nuclear e dos aspectos químicos do urânio. A liberação de energia durante a fissão de um núcleo era de tão grande importância que em 2 de agosto de 1939 Albert Einstein escreveu uma carta ao presidente dos Estados Unidos, Franklin Roosevelt, em que afirmava: “Pesquisas recentes de Enrico Fermi e Leo Szilard me levam a supor que o elemento urânio pode ser transformado em uma nova e importante fonte de energia num futuro imediato”. A história mostrou que ele estava certo.

Enrico Fermi, um físico refugiado da Itália que trabalhava na Universidade de Chicago, utilizou o processo de fissão para obter a primeira reação em cadeia desencadeada pelo homem, em 2 de dezembro de 1942. Ele construiu um reator com camadas alternadas de combustível (U e UO2) e com um moderador (grafita). Aparas de cádmio serviam para absorver nêutrons e, assim, controlar a reação em cadeia. Fermi empregou 400 toneladas de grafita, 50 toneladas de UO2 e 5 toneladas de urânio metálico. O sucesso de seu experimento levou à criação do Projeto Manhattan, destinado a produzir uma bomba atômica pelos Estados Unidos.

O Projeto Manhattan também levou à descoberta dos elementos transurânicos, ou elementos com números atômicos maiores que 92, o do urânio, e também ao desenvolvimento da energia nuclear. Duas bombas atômicas foram lançadas pelos Estados Unidos contra o Japão em 1945, o que precipitou o final da segunda guerra mundial, mas esta é outra história.

 

Processo de Enriquecimento do Urânio

 

Medição de radiação em reator nuclear. Foto: Comissão Nacional de Energia Nuclear

 

Por que enriquecer o urânio?

O urânio que ocorre na natureza (extraído do solo como minério) é composto por dois isótopos principais:

U-238 (~99,3%): Estável e pouco físsil.

U-235 (~0,7%): Físsil — capaz de sustentar uma reação em cadeia.

Para uso em reatores nucleares comerciais, geralmente precisa-se de 3% a 5% de U-235. Para armas nucleares, o nível precisa ultrapassar 90%. Por isso, a separação e o aumento da concentração do U-235 em relação ao U-238 são indispensáveis.

⚙️ Como o urânio é enriquecido?

O urânio natural extraído da mina é primeiro convertido em um composto gasoso — o hexafluoreto de urânio (UF₆) — pois o UF₆ vira gás a temperaturas relativamente baixas (~56°C) e isso facilita o processo.

 

Principais métodos de enriquecimento:

 

  • Centrífugas Gasosas (Método mais moderno e eficiente)

Princípio: Diferentes massas dos isótopos U-235 e U-238.

Coloca-se o UF₆ num cilindro que gira a velocidades altíssimas (dezenas de milhares de rpm).

O U-238 (mais pesado) tende a ir para a parede externa do cilindro.

O U-235 (mais leve) concentra-se mais perto do eixo central.

Uma corrente ligeiramente enriquecida em U-235 é retirada do centro, e a mais pobre (depleção) da borda. Esse processo ocorre repetidamente em cascatas — séries de centrífugas — até atingir o nível desejado.

> Hoje, esse método é o mais empregado no mundo por seu baixo consumo energético.

 

  • Difusão gasosa (Método tradicional)

UF₆ gasoso é forçado a passar por membranas porosas.

Como o U-235 é mais leve, ele passa ligeiramente mais rápido.

Para atingir um nível útil de enriquecimento, são necessárias milhares de etapas em cascata.

Consumiu muita energia e está praticamente obsoleto.

 

  • Métodos a laser (Isótopo por isótopo)

Técnicas como AVLIS (Separação Isotópica por Laser em Vapor Atômico) e MLIS (Separação Molecular por Laser).

Usam lasers ajustados a comprimentos de onda que ionizam preferencialmente o U-235.

São métodos avançados e ainda em menor escala industrial.

 

  • Separação eletromagnética

Baseada em um espectrômetro de massa gigante (calutrons), que desvia os íons por campos magnéticos.

Foi usada no Projeto Manhattan; hoje, praticamente aposentada por ser muito cara e ineficiente.

Em resumo:

  1. Converte-se o urânio para UF₆.
  2. Envia-se o UF₆ para o processo escolhido (centrífuga gasosa é o mais atual).
  3. Obtém-se UF₆ com teor aumentado em U-235.
  4. Repetem-se os ciclos até alcançar o enriquecimento desejado.
  5. Por fim, o UF₆ enriquecido é convertido novamente em um óxido sólido (UO₂) para uso em pastilhas combustíveis de reatores.

 

Quer saber como é realizada a produção de energia nuclear? Assista a nossa live com um especialista no assunto: “Como se faz Energia Nuclear” disponível abaixo.

Referências

Uranium. Disponível em https://pubchem.ncbi.nlm.nih.gov/compound/23989 . Acesso em 07/04/2025.

Uranium. Disponível em https://periodic.lanl.gov/92.shtml . Acesso em 02/04/2025.

Uranium. Disponível em https://periodic-table.rsc.org/element/92/uranium. Acesso em 02/04/2025.

The Element Uranium. Disponível em https://education.jlab.org/itselemental/ele092.html. Acesso em 02/04/2025.

J. D. Lee. Química inorgânica não tão concisa. Ed. Edgard Blucher. 1996.

Agência Internacional de Energia Nuclear. Disponível em https://www.iaea.org/publications/14989/nuclear-power-reactors-in-the-world. Acesso em 24/04/2025.

Comissão Nacional de Energia Nuclear – História da Energia Nuclear. Disponível em https://www.gov.br/cnen/pt-br/acesso-rapido/centro-de-informacoes-nucleares/materiais-de-apoio-ao-ensino-e-pesquisa. Acesso em 24/04/2025.

ATKINS, P. W. Shriver & Atkins química inorgânica. BOOKMAN, 2008.

EMSLEY, J. Nature’s Building Blocks: An AZ Guide to the Elements , Oxford University Press, Nova York, 2ª edição, 2011.

World Nuclear Association – “Uranium Enrichment”. Disponível em: https://www.world-nuclear.org/information-library/nuclear-fuel-cycle/conversion-enrichment-and-fabrication/uranium-enrichment.aspx

U.S. Nuclear Regulatory Commission (NRC) – “Gas Centrifuge Uranium Enrichment”. Disponível em: https://www.nrc.gov/materials/fuel-cycle-facilities/ur-enrichment.html

IAEA (Agência Internacional de Energia Atômica) – Informações sobre ciclo do combustível nuclear e enriquecimento. Disponível em: https://www.iaea.org/topics/nuclear-fuel-cycle

 

Texto produzido pela jornalista Mari Menda da Gerência de Relações Institucionais
do CRQ-SP e revisado pela Profa. Márcia Guekezian, Coordenadora do curso de
Engenharia Química da Faculdade de São Bernardo do Campo – FASB

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