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Acesso em 23/11/2024 às 09h30.

A química na produção de orgânicos

A química na produção de orgânicos

A ciência e a indústria químicas produzem conhecimento e insumos também para a agricultura orgânica. Embora alguns materiais publicitários e até mesmo jornalísticos a definam como sistema de produção que prescinde de química, esta se faz presente em quase todas as etapas da produção: desde o preparo do solo até a análise do produto final para verificar a ausência de fertilizantes e defensivos não permitidos nesse tipo de cultivo.

Na opinião do engenheiro agrônomo e professor emérito da Universidade Federal de Lavras, Alfredo Scheid Lopes, classificar os alimentos em orgânicos e químicos é um erro conceitual. “A própria química divide-se em dois grupos: a Química Orgânica, que estuda o carbono, o hidrogênio e o oxigênio, seus compostos e reações, e a Química Inorgânica que estuda os demais elementos. Portanto, produtos orgânicos são também químicos”, conclui Lopes.

Tanto esse tipo de produção não prescinde de química que um dos membros do grupo de insumos da Câmara Setorial de Agricultura Orgânica – órgão do Ministério da Agricultura – é o bacharel em química Wagner Polito, professor do Instituto de Química de São Carlos da USP. “Por conhecer a composição química dos materiais, o profissional dessa área pode opinar sobre o que deve ou não ser usado na agricultura orgânica”, esclarece Polito.
Análises químicas de solo e folhas são constantemente utilizadas por agricultores que buscam a certificação de seus produtos orgânicos. A principal certificadora do país, o Instituto Biodinâmico (IBD), usa os laudos dessas análises para autorizar ou não o uso de determinadas substâncias bem como para verificar se o manejo da cultura foi feito de modo correto.

Os resultados de análises são usados também para determinar o tempo que o produtor levará para obter a certificação de seu produto, o que pode variar de um a cinco anos. Tão logo o agricultor decida converter sua produção convencional em orgânica, “faz-se uma análise do solo para verificar níveis de resíduos e, a partir disso, e em função de todo o levantamento da área, você faz o planejamento para conversão”, explica o engenheiro agrônomo Paulo Stringheta, professor da Universidade Federal de Viçosa.

De acordo com Stringheta, “o princípio da agricultura orgânica é cuidar do solo”. Para melhorar seu desempenho, o principal recurso é justamente a incorporação de matéria orgânica, especialmente restos vegetais e estercos. No caso destes últimos, é preciso submetê-los a um processo de compostagem para eliminar microorganismos patogênicos.

O composto é feito com camadas intercaladas de restos vegetais e esterco regadas com água. De acordo com o engenheiro agrônomo José Pedro Santiago, presidente da Câmara Setorial de Agricultura Orgânica e consultor do IBD, o esterco precisa ficar pelo menos três meses em compostagem. Durante esse período, ocorrem processos bioquímicos e a matéria orgânica é decomposta.

Polito diz que a compostagem tem ainda uma segunda função: fazer com que seja liberado carbono na forma de gás, de modo que, quando o adubo for incorporado ao solo, a relação carbono-nitrogênio na planta esteja equilibrada.

Santiago explica que, para promover a fertilidade do solo, “podem também ser usados os chamados micronutrientes, que são produtos químicos”. Esse micronutrientes são combinados com matéria orgânica em insumos denominados biofertilizantes. Um deles é o Supermagro, recomendado pela Embrapa para a produção de café orgânico. Em sua composição, há água, leite e esterco bovino, e também produtos químicos como os sulfatos de cobalto e manganês e o termofosfato silício-magnesiano. Ingredientes semelhantes compõem o Agrobio, um outro biofertilizante bastante utilizado, desenvolvido pela Empresa de Pesquisa Agropecuária do Estado do Rio de Janeiro (Pesagro-Rio). Santiago, contudo, faz uma ressalva sobre o emprego dos micronutrientes: “Eles podem ser usados até certa quantidade e, no caso de algumas certificadoras, é preciso justificar o uso”.

De acordo com os adeptos da produção orgânica, além de levar nutrientes às plantas, os compostos e os biofertilizantes fazem com que elas criem mecanismos próprios de defesa contra pragas e doenças, o que reduz a necessidade de usar defensivos. “O princípio da agricultura orgânica é o seguinte: tenha um solo sadio, que você vai ter uma planta sadia”, resume o presidente da Câmara Setorial.

Nos casos em que ainda assim houver pragas ameaçando a produtividade da lavoura, recorre-se a produtos como a calda sulfocálcica. Composta de polissulfetos de cálcio, ela combate ácaros, fungos e insetos. Como fungicida, também pode ser usada a calda bordalesa, preparada com cal hidratada e sulfeto de cobre. Tal como no caso dos biofertilizantes, algumas certificadoras exigem justificativa técnica acompanhada de análises de solo e folhas para autorizar o uso desses produtos.

O controle também pode ser feito com extratos de plantas como dente-de-leão, urtiga e neen. Para o professor da USP, desenvolver mecanismos que otimizem a extração e o aproveitamento desse extratos é uma função do profissional da química. “Será que o dente-de-leão não tem alguma substância que possa ser usada de modo mais rápido?”, exemplifica.

Polito também chama a atenção para a necessidade de criar meios de concentrar os princípios ativos e de desenvolver veículos eficientes para os insumos usados na agricultura orgânica. Nesse sentido, o profissional da química tem nesse tipo de produção a mesma função que exerce na convencional: criar meios de reduzir custos e aumentar a eficiência dos insumos. “Eu diria que esse campo é uma avenida aberta para pesquisa que os químicos não perceberam ainda”, opina o professor.

 

 

Escrito pela jornalista Vivian Chies,

da Assessoria de Comunicação do Conselho,

este texto foi publicado originalmente no Informativo CRQ-IV

referente ao bimestre Julho/Agosto de 2006.

A mesma edição traz outras reportagens sobre

a contribuição da química na agricultura.

 

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